Redoma é lugar onde Carolina Viana (cantora e rapper), natural de Viana do Castelo, e Joana Rodrigues (produtora), do Porto, escolheram para guardar suas criações, medos e vontades. Um lugar que fala sobre alguma coisa, mas não diz tudo. A redoma foi também o ponto de partida para uma libertação da rigidez dos estudos clássicos e para que elas começassem a fazer música de um outro jeito: do delas. O resultado: um rap desconstruído e confessional, com influências do spoken word, do hip hop, lo-fi e da eletrônica.
As duas se conheceram em 2017 durante a licenciatura na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (ESMAE), no Porto, onde ambas residem hoje. Carolina fez a licenciatura em violoncelo, instrumento que a acompanha desde cedo, enquanto Joana, que começou na guitarra clássica, estudou produção e tecnologias da música. Três anos depois, foi preciso a quarentena que confinou a todos para que elas dessem o primeiro passo no que viria a ser a redoma. Foram dois anos fazendo músicas -- do início da pandemia ao final de 2021.
A Joana já estava mais ligada à parte eletrônica. Eu estava longe e ainda não tinha escrito nada. Alia na primeira quarentena surgiu escrever alguma coisa por cima de um beat, um instrumental que a Joana tinha partilhado comigo. E de repente deu-se essa coincidência e aquilo nos agradou e gostamos de experimentar mais daquilo - Carolina
Eu já produzia, mas num contexto muito mais pessoal, não era uma coisa que eu partilhava muito com o público, não eram coisas para serem propriamente ouvidas. Produzia mais no aspecto da eletrônica. Depois, na pandemia, comecei a produzir mais uns instrumentais, para passar tempo, e foi uma coisa que fui explorando mais a partir do momento que encontrei uma parceira para fazer esta brincadeira comigo. Eu apresentava uma ideia, ela dava uma ideia de volta com uma lírica e com a temática, e a partir daí começávamos a construir as ideias mais concretas da música -Joana
Apesar da timidez e do receio da exposição, perceberam que tinham um bom material e gravaram as músicas em estúdio “para nos comprometermos a fazer isso direito”, contam. Trabalharam com o amigo Zé Poças, que partilhou o EP com a Biruta Records. A editora se interessou em lançar o projeto. Era hora de sair da redoma.
O EP Parte ganhou o mundo em março, num caminho contrário a que muitos seguem hoje, de lançar músicas soltas preparando um terreno para um projeto maior. O duo não apresentou nada previamente. Estava tudo protegido até que se sentissem confiantes para mostrar ao mundo o que estavam criando. O nome do projeto veio também embalado nessa ideia.
O nome surgiu arrancado a ferros. Foi a última coisa que nós decidimos. Nós já tínhamos uma música chamada redoma, tanto que foi um nome sonante, mas não foi uma hipótese inicial de ser nosso nome. Depois de falar com o Rui, da Biruta, ele disse que se calhar era um nome fixe. E começamos a pensar um bocadinho no significado da palavra, de que forma ele se adapta a nós... - Joana
… e de que forma se aproximava da forma que nos sentimos a fazer isso tudo. E fez todo o sentido porque tanto eu como a Joana, no início do processo, estávamos entusiasmadas, mas cheias de medo, principalmente pelo fator exposição, que nos assusta um pouquinho - Carolina
Se antes ela ficava atrás do violoncelo, agora Carolina ganhou mais visibilidade ao cantar. Suas letras falam muito sobre sua relação com o mundo e lugar nele, sobre procurar por algo sem saber bem o que se procura. Tudo com uma poética refinada que encontra nos beats de Joana o pano de fundo perfeito para ecoar. É um projeto tão redondo e refinado que é difícil acreditar que se tratar de uma estreia, em todos os sentidos.
Quando o nome do EP surgiu ainda não tínhamos pensado na próxima parte, mas sabíamos que seria parte de alguma coisa. E foi também num sentido de brincadeira de parte daí, de sair da redoma, e outro fator que influenciou foi que na altura percebemos que cada música eram sítios diferentes - Carolina
Na nossa conversa, Carolina comentou sobre duas faixas que, para mim, muito revelam sobre o EP. Levam o mesmo nome e estão divididas em duas partes: esventrada pt1 e esventrada pt2.
Eu acho que ela está dividida em duas partes por serem formas diferentes de ser desventrada, e uma completou a outra. A primeira parte é uma coisa mais contemplativa e não da relação com o outro, mas dá relação comigo própria e com meio que me rodeia. E uma espécie de frustração por andar sempre a procura de alguma coisa, por ter essa pressão de estar a procura e não saber muito bem do que estou a procura e isto ás vezes vai para um fundo qualquer. E essa parte tem confronto com a segunda parte, que é precisamente ser desventrada não pelo confronto comigo, pelo meu interior, mas por outra pessoa que tem um poder sobre mim, e sobre como eu poderei estar. Na verdade, para mim, é uma espécie de resumo da vida- Carolina
A primeira apresentação ao vivo rolou em casa, em abril, no Maus Hábitos, no Porto. Foi mais uma etapa para sair da redoma e tirar as memórias dos dias em que subir no palco não era tão divertido.
A ideia de tocar em palco era sempre muito negativa, pesada, eram sempre momentos super formais, de críticas, de análise, e foi um momento desafiador para as duas. Antes do concerto estávamos as duas "que horror, o que estamos fazendo aqui, isso não faz sentido, já sabemos que não gostamos de tocar", e de repente tocamos e foi fixe. Foi completamente diferente porque se libertou aquela ideia acadêmica de tocar, de não poder haver erro, de termos que ser muito profissionais e seguras. E aquele foi um espaço para mostrar um projeto que é nosso, para assumir que estamos a começar, que vai haver erro, timidez, uma série de coisas que têm que ser trabalhadas e está tudo bem. Agora já começa ser uma coisa divertida - Joana
As duas não escondem o peso que academia deixou. Joana conta que estuda música desde os 9 anos e só aos 25 conseguiu “se libertar do trauma da academia da música”. Ela nunca mais tocou guitarra clássica. Carolina a acompanha no sentimento, e conta que a experiência, embora abra caminhos em termos de conhecimento, pode ser “muito dura e cria algumas inseguranças”. Ela ainda toca o violoncelo, mas entende que seu caminho é outro.
Como se passa do violoncelo para alguma coisa mais alternativa? Foi uma espécie de escape ou de encontrar uma forma de se expressar porque, no meu caso, o violoncelo não me era suficiente nesse sentido. Na minha vida o violoncelo sempre foi um instrumento que me permitiu interpretar e não criar - Carolina
A nossa história musical desde miúdas nos meteu um bocado dentro da redoma, agora a redoma é um projeto que está ótimo para as duas para nos libertar dessa redoma. São experiências diferentes, nós estivemos sempre a estudar música dentro da Academia e é tudo muito sério, formatado, e as coisas são assim e acabou. E a redoma acaba por ser um projeto onde tentamos soltar algumas correntes nesse aspecto - Joana.
Agora, com tudo à mostra, a dupla já planeja novos passos.
Para já ainda estamos a explorar coisas em específico, para afunilar para um lado menos em parte e mais num todo, ainda estamos tentando explorar temáticas específicas, no meu caso, tentar explorar produção mais específica, se calhar aquele caminho não é o que eu vou explorar para as próximas produções, ou seja, este EP foi o início de uma procura de uma identidade em conjunto. O que vem a seguir é continuar esse trabalho e se calhar ramificá-lo para lados diferentes- Joana
Talvez os próximos lançamentos venham acompanhados de uma timidez e receios menores. Afinal, o primeiro passo para fora da redoma já foi dado.
Esse EP acabou por ser uma espécie de passaporte. Nós existimos. Agora já temos direito a fazer mais qualquer coisinha - Carolina
Discografia
EP Parte (2022)
Vamos a Viana e ao Porto…
Carolina Viana leva em seu sobrenome o nome da sua cidade natal: Viana do Castelo. Morando no Porto, ela comenta que, quem for à cidade, não pode deixar de comer as famosas bolas de berlim.
Viana é muito conhecida pelas bolas de Berlim do Natário. Quem vai a Viana gosta sempre de provar a bolinha ou qualquer coisa naquela pastelaria, porque é tudo bom. O centro da idade vê-se num instantinho. Quem for a Viana vai ver o rio que é uma beleza e dar um saltinho à igreja Santa Luzia, que fica em cima da montanha e tem uma vista muito bonita.
Já no Porto, hoje muito conhecido pelo seu apelo turístico, Joana indica uma passeio pela região da Fontainha e revela a sua francesinha favorita, outro hit da gastronomia local:
Fontainhas é um sítio super fixe para visitar e ter um momento mais introspectivo e contemplativo sobre o Porto, e para comer, francesinha no Francesinha Café, na rua da Alegria, minha francesinha favorita. Deixo aqui, mais isso aqui é uma discussão…