É do arquipélago dos Açores que Clemente Almeida, baixista que também assume o piano e os sintetizadores, e Rui Rofino, letrista e vocalista, fazem música enquanto dividem-se entre lugares e suas outras profissões. Conheceram-se em outro projeto musical, e a afinidade os levou a formar o We Sea, um nome que remete ao mar, claro, mas também a um momento em que eles buscavam uma nova forma de ver as coisas.
É uma espécie de trocadilho. Vem de 'We See'. Estávamos a passar por um período de transformação nas nossas vidas e essa transformação também se evidenciou na nossa forma de ver a música. A ideia foi tentar representar esse novo olhar sobre as coisas. O ‘sea’ vem precisamente do mar que nos rodeia e que nos acompanha - RR
O primeiro disco, Basbaque (2019; ouça aqui), tem uma pegada lo-fi, músicas bem longas (uma ousadia!) e reflete bem o caráter experimental da dupla, que se deixou levar pela liberdade criativa. A gravação contou apenas com os dois (com sintetizador e computadores). Resultado: um disco com letras refinadas (e com respingos de mar, talvez), muito lírico e com a banda entrando na vertente do synth pop.
O Basbaque é um disco conceitual acerca de uma personagem com um percurso de desamor-amor-desamor. O termo ‘basbaque’ tenta traduzir diretamente essa parvoíce de se cometerem os mesmos erros de forma repetida. As canções seguem uma sequência lógica de acordo com o percurso da narrativa. Foi pensado mais em termos de lírica do que musicalmente. Lá está, foi um processo exploratório de encaixe da música nos textos já existentes. Para além disso, é um disco mais 'digital' do que o Cisma. Atualmente a nossa composição reflete mais sobre a organicidade da performance ao vivo. Há mais preocupação com isso - RR
O próximo passo foi trabalhar em um disco que refletisse os aprendizados e evolução musical após a primeira experiência, o que alcançaram com êxito em Cisma (2021, ouça aqui). Composto à distância, o longa-duração é mais glam, cosmopolita, feito por quem quer colocar o cancioneiro da ilha no mapa da música indie de Portugal.
O Cisma é um álbum sobre emoções, sentimentos e pensamentos (complexos) provocados pela distância. Este nome surgiu por ser impactante; por ser uma palavra muito corriqueira no nosso contexto; e porque traduz ruminação. Em relação à textura, nós temos como linha de guia o tentar não criar mais do mesmo. Tentamos manter a atmosfera e algumas características da nossa música, mas fizemos por incutir mais ritmo e tornar o som mais dançante, mais groovy – que é algo que faz parte do nosso histórico musical pré-We Sea - RR
Há influências dos anos 70, mas também 80 e 90 (o lettering diferenciado e o próprio instrumental da faixa A f t e r E i g h t são uma homenagem ao movimento Vaporwave, que remete aos anos 80 e 90), décadas que inspiram bastante os We Sea.
O disco trouxe mais visibilidade para o trabalho do duo, em parte também pelo trabalho de divulgação feito pelo selo Marca Pistola. Chegaram a novos palcos da Portugal continental (para atuarem ao vivo contam com apoio de outros músicos), mas eles reforçam que o alcance ainda é vagaroso no resto do país para as bandas açorianas.
A nossa região esteve sempre bem servida de grandes músicos e artistas. Há uma mística muito própria no som que é feito nos Açores. O grande problema da música nos Açores é haver pouco circuito. Existem festivais artísticos incríveis, como o Tremor ou o Walk&Talk, mas é curto para a cena musical regional. Adicionalmente, há a dificuldade em cruzar o oceano em direção a Portugal Continental. Não é fácil, mas ‘tamos’ todos na luta - RR
São de Cisma também as duas músicas mais ouvidas da banda nas plataformas de streaming: Seja Como For e Torna-viagem. E o que essas canções tem de tão especial?
No caso da Seja Como For acho que é uma mixórdia de fatores. Talvez por ser uma canção de melodia fácil e de ritmo dançante, mas também porque foi a canção com mais airplay. Já no que toca à Torna-Viagem, talvez seja uma das mais ouvidas por ser “estranha”. Apesar de ser uma música com uma estrutura pouco convencional (p.e., não tem refrão), tem melodias catchy e acaba por ser um processo, uma espécie de viagem que, embora seccionado, tem coerência.
Para 2023, além de tocar em mais pacos, eles pretendem entrar em estúdio para gravar o terceiro longa-duração, já em fase de composição.
Bandas açorianas para ouvir
Rui deixa uma lista de nomes da música dos Açores para quem quiser conhecer mais dos sons feitos por lá: Zeca Medeiros, Susana Coelho, Medeiros/Lucas, Luís Gil Bettencourt (irmão do internacionalíssimo Nuno Bettencourt), Luis Alberto Bettencourt, Sara Cruz, Flávio Cristovam, Romeu Bairos, Tiago Franco, King John, entre outros. Abaixo, uma playlist para ajudar nos trabalhos:
E se for aos Açores…
O arquipélago dos Açores guarda muitas paisagens e ilhas (claro) que merecem ser visitadas. Passear pelas vilas de pescadores, campos verdes, ver as Hortências (azuis) dos Açores, entre outros. A ilha de São Miguel é a maior do conjunto, com caldeiras vulcânicas que viraram rios e a Fábrica de Chá Gorreana, a mais antiga e hoje única plantação de chá da Europa. Há ainda a Ilha de São Jorge (queijos, gostamos!!!); e Pico, onde você encontra a Montanha do Pico, com 2.351 metros de altitude, e vinhedos que estão protegidos por rochas.
As nossas paisagens são imperdíveis. A nossa natureza tem um quê de tropicalidade e o nosso verão é incrível. Temperaturas muito sofríveis e tudo é pertinho. Em 10, 20 minutos chegamos a uma praia ou um lindo calhau. Falando em São Miguel, é imperativa uma visita às Furnas e Sete Cidades por serem lugares místicos. Falando no arquipélago em geral, considero a ilha do Pico muito especial. É muito basáltica e é de uma imponência única- RR
Aqui, também tem mais dicas do que fazer pela ilha nos roteiros do Cultuga.
Nossa playlist:
Outros pitacos…
Sónar, Primavera Sounda, NOS Alive, MEO Kalorama, Cooljazz, entre outros. Aqui você confere a agenda dos festivais que vão rolar em Portugal em 2023.
Agenda de shows (gringos e de artistas locais) em Lisboa e outras cidades durante o ano.
O Música sem Capa é um ótimo perfil (no Instagram) pra você que gosta de música e mora por aqui ou está planejando sua viagem para Portugal ficar por dentro de tudo o que rola pelo país em termos de eventos mais locais. Tem uma ótima agenda de shows e boas dicas do que ouvir.