Na sala de ensaios dos Biloba, jazz e grunge sentam-se para conversar. Um sabe que vai dar mais espaço ao outro, e a viagem improvisada vai começar assim que os amplificadores forem ligados. Lançado neste ano, o EP Biloba (Chinfrim Discos) é um dos discos mais interessantes da cena alternativa tuga. Um EP amarrado, com integrantes entrosados e buscando uma sonoridade ancorada no rock, com toques de trap, beats, e que tem no jazz a inspiração para o ‘como’ fazer.
A história do grupo lisboeta começou no final de 2019, puxada por Francisco Nogueira, cantor e baixista do projeto. Completam o grupo Nazaré da Silva (voz e teclados), Simão Bárcia (guitarra), Diogo Lourenço (guitarra) e Miguel Fernández (bateria).
Havia uma necessidade de criar um projeto que fosse alternativo ao espaço e a atmosfera em que me inseria. Estava a estudar jazz em Amsterdã, durante quatro anos, no entanto cresci a ouvir música como Blur, Sonic Youth, Manuel Cruz, Zeca Afonso e José Mario Branco. Senti que queria um projeto no qual me poderia expressar indo de encontro às minhas origens. Acabei por perceber que não estava só, pois o resto dos membros de Biloba partilhavam o mesmo sentimento. Acho que foi por isso que a criação das músicas sempre aconteceu de forma bastante orgânica - Francisco Nogueira
O tempo passado em Amsterdã foi totalmente ao acaso. Levado por um amigo, Francisco acabou fazendo o teste para o Conservatório van Amsterdam e passou. Pouco ou nada sabia sobre a escola ou cidade. Ali, vivendo fora de Portugal pela primeira vez, conheceu muita música.
Foi pelo jazz também que conheceu os demais integrantes do grupo. Mas os Biloba avançaram. Aqui, as guitarras marcam território, misturadas a grooves e aos toques psicodélicos introduzidos pelos sintetizadores. Nas letras, temas ligados à consciência social e política. Uma verdadeira bossa nova distorcida.
Neste projeto, o que aprendemos a partir do jazz serve como ponto de partida para nos entendermos enquanto músicos. Conhecemos os mesmos termos e as ferramentas que facilitam o processo de desenvolver novas canções. Na nossa experiência, o jazz foi o gênero que nos deu essa linguagem, que nos faz poupar tanto tempo nos ensaios. Para além disso, saber a teoria e improvisação, dá-nos mais liberdade enquanto criadores, podemos dar-nos ao luxo de explorar com mais confiança harmonias, melodias e estruturas de canções - Francisco Nogueira
Mas da ideia à realização, algumas coisas mudaram, como a ideia de cantar em inglês, deixada de lado. Além disso, a sonoridade de hoje foi se moldando com o tempo. O primeiro single, Tabuada, escrito em 2020 e lançado no final de 2021, ainda traz resquícios da fase inicial da banda, mais agressiva e dark. O segundo, o single Bulles de Savon, uma nostálgica homenagem à infância, já aponta outra direção.
Senti que não estava a ser um trabalho honesto (cantando em inglês), já que não penso nem sinto noutra língua se não a minha. A única exceção foi o single Bulles de Savon, cantado em francês, contudo a Nazaré da Silva é fluente na língua e foi ela que escreveu a letra, pelo que não me pareceu desonesto manter a música. Para além dessa questão, também o gênero do projeto foi-se mutando. Começamos por criar músicas que iam mais de encontro ao grunge e lentamente deixamo-nos influenciar por outros estilos como o trap e música eletrônica - Francisco Nogueira
A possibilidade de criação em tempo real e a interação com outros músicos é o motor dos Biloba. Esse processo começa com Francisco, que compõe demos em casa, no Ableton, e envia as gravações para a banda. No ensaio, juntam-se e veem o que resulta ou não. Com dois guitarristas, o baixista não gosta de interferir em como a dupla toca ou se divide nas canções. Isso cabe a Simão e Diogo. "Eles conhecem bem melhor o seu instrumento do que eu", diz.
Acho que o mais importante é chegar ao ensaio com poucos apegos à canção e estar sempre disponível para, se for preciso, virar-lhe do avesso. No entanto não me recordo de alguma vez isso ter acontecido, como disse antes, trabalhar e compor com Biloba sempre me foi bastante orgânico - Francisco Nogueira
Os vocais chamam atenção na banda por serem divididos entre Nazaré e Francisco. Diferentes jeitos de cantar que têm o desafio de encontrar algo em comum. E parece que o fizeram. Para Nazaré, um desafio maior já que ela pertence mais ao universo do jazz em seu trabalho solo. Aqui, ela “muda o chip”.
É mudar o chip consoante aquilo que a música pede de nós. É verdade que o meu caso é um pouco diferente do resto da banda, porque para eles aquilo que é um regresso às origens, é para mim o sair da zona de conforto e explorar uma área bastante nova. A verdade é que adoro cantar com Biloba também porque me permite experimentar outras formas de interpretar canções. Acho que esse processo ao início foi feito de uma forma super natural e muito pouco pensada, mas com o avançar do projeto, uma das questões que surgiu foi o fato de eu e o Francisco termos formas totalmente diferentes de cantar. Aí tivemos de pensar como poderíamos usar isso a nosso favor e adaptar-nos um ao outro na forma como interpretamos. Isso, para mim, é um bom desafio! - Nazaré da Silva
O grupo já tem canções novas que vem apresentando ao vivo, mas ainda não tem previsão de lançá-las.
E se você está se perguntando sobre a origem do nome Biloba, nada tem a ver com a planta medicinal de nome Gingko Biloba. Foi apenas uma opção por um nome que evitasse qualquer definição prévia sobre o projeto. Curiosamente, o disco solo de Nazará chama-se Gingko (2021), nome da gata da cantora.
Eles juram que tudo não passa de mera coincidência.
Discografia
EP Biloba (2022)
Saudades dos ingressos
Não tem nada mais sem graça hoje (quer dizer, até tem) do que comprar um ingresso para um show super esperado e recebê-lo em um QRCode. Sou daquelas que adora guardar ingressos, eles contam tantas histórias — da nossa vida, de uma época.
Aqui em Portugal acaba de sair o livro do radialista Henrique Amaro, já conhecido divulgador da música tuga, onde ele traz uma coleção de mais de 500 ingressos de shows que acompanhou por aqui. São tickets dele e de amigos. O nome da publicação é Eu Estive Lá (Tinta da China).
"Começa com uma limpeza de gavetas e acaba numa ideia para um livro. Foi o que aconteceu. Um livro com bilhetes de concertos realizados em Portugal. De Pavarotti aos Ratos de Porão, de Carlos Paredes aos Ena Pá 2000. Começa em 1963 e acaba com um concerto realizado no Porto em abril deste ano".
E seus ingressos, por onde andam? Fica a dia para uma noite de tédio dar uma revirada neles, e lembras que histórias eles contam. Faça o seu livrinho pessoal :)
No final de 2020, reuni parte da minha coleção em uma noite de saudades dos show e pistas apertadas. Cada bilhetinho me leva de volta àquela noite, às companhias, ao que eu estava fazendo da vida naquele momento. E não houve um momento da minha vida em que não tenha pensado que a coisa mais legal do mundo é ir a um show!
Garimpando shows :D
Chegou o verão!!! Confere aqui a agenda dos festivais que vão rolar em Portugal (tem evento para o ano todo, mas verão é verão).
Aqui você acompanha a agenda de shows (gringos e de artistas locais) em Lisboa e outras cidades.